quinta-feira, 22 de abril de 2010

Hora do rush


Ultimamente tenho me sentido velha, severa, impaciente. Indignada demais com as incivilidades cotidianas. Irritadiça com a pessoa que joga lixo na rua, com o colega que suja a classe e não limpa, com o homem que se senta no assento preferencial do metrô e não se levanta quando entra um idoso, com quem se senta em um assento não preferencial e finge que não é com ele.


Mas às vezes me pego pensando se eu tenho o direito de exigir de todos essa polidez burguesa. Se eu posso esperar da caixa do supermercado que ela dê um bom dia sorridente após pegar dois ônibus lotados e passar o dia trabalhando duro. Se eu posso esperar que o jovem exaurido de seu longo dia ceda seu lugar a um idoso.


A verdade é que eu, também, tenho esse lado demasiado humano. Profundamente cansado, esse lado que nega amparo. Esse meu pedaço egoísta e avaro. Eu, também, saio de meu mundo de delicadezas burguesas, para caçar na selva.


Hoje voltei com um amigo no metrô, na hora do rush, sentido zona norte. Propus a ele que seguíssemos até a primeira estação da zona sul, para, sentados, voltarmos. Assim fizemos. Logo que nos sentamos, afirmei que hoje não cederia lugar para ninguém. Estava exausta. Em uma das estações, entrou uma mulher com um bebê de colo. Eu e meu amigo nos entreolhamos: era a primeira provação. Fiz como as tantas pessoas que desprezo: fingi que não era comigo. Uma moça ao nosso lado levantou-se, para que ela se sentasse. Respirei aliviada.


Em seguida, vi, entre a multidão espremida, um velhinho. Cabelo branco, rosto enrugado, costas curvadas. Ele estava em pé, quase do outro lado do vagão. Eu podia fingir que não o via, dentro daquele metrô lotado. Mas a verdade é que o via, tão bem que tinha de desviar o rosto, para não me deparar com a vergonha de minha própria imagem: esse bicho egoísta, que não cederia seu conforto para outrem. O trem deslizava por estações e estações. Eu espiava aquele senhor, que permanecia em pé, com suas costas curvadas e cansadas. Eu indagava se resistiria, se cumpriria meu pacto de ficar sentada, de não ceder, de não doar. Às vezes pensava em desistir, em chamá-lo, em limpar minha consciência, minha vergonha. Mas aí sentia o calor, o ar abafado, olhava para as tantas pessoas espremidas, encostando-se. Então olhava para baixo e continuava fingindo que não podia enxergá-lo, que não podia enxergar-me.


E eis que percebo: com minhas mãos limpas e pele descansada é fácil ser gentil e exigir a mesma delicadeza das pessoas que me cercam. E com meu banho tomado eu vocifero contra a selvageria do mundo, essa selvageria que está em mim e que se manifesta tão logo se apresentem as condições adequadas.
Hoje, no metrô, passei por mim rapidamente. E não me reconheci.

domingo, 18 de abril de 2010

Bolhinhas de abril


- Abril começou todo errado, com chuva, gripe, briguinhas e tudo o mais que podia acontecer. A frase "já pode ser maio?" virou bordão entre mim e meus amigos atingidos pela maldição do mês. A boa e inesperada surpresa é que a onda de má sorte se aplicava somente à primeira quinzena do mês. A partir do dia 16, começou a dar tudo certo e espero que continue assim pelo resto do ano.
- Houve uma época em que eu mantinha um caderninho ao lado da cama, para anotar os sonhos que tinha durante a noite. Depois perdi o hábito e hoje mal consigo me lembrar deles. Mas por conta da minha curiosidade em explorar meu inconsciente, pretendo recomeçar a registrá-los. Esta noite tive dois sonhos dos quais me lembro. No primeiro, uma mulher fazia acrobacias perseguida pelo seu cão, um poodle que mais parecia um sheepdog cor-de-rosa. Acordei dando risada. No segundo sonho, eu ia de barco às praias de Niterói, quando cheguei a um museu na Europa. Lá havia vários itens relacionados a "Alice no País das Maravilhas". Havia em uma mesa vários ratinhos de brinquedo, um deles começou a andar pelo salão. Subi as escadas do museu, que mais parecia um casarão abandonado, passando por um grande colchão mofado, e cheguei ao andar de cima. Lá estava meu professor em uma mesa e, em um canto, vários jornais de 1949, que falavam sobre Chaves e Chapolin Colorado. Entre os jornais, encontrei um exemplar do "Caiacanga", que desta vez era o jornal revolucionário que eu editava na época do colégio.
- Recentemente encontrei no Facebook um amigo da época em que fiz intercâmbio nos Estados Unidos. Fiquei tão contente em ver que ele se lembra de tantas coisas das quais eu havia esquecido. Ontem comentei com meus amigos que estava feliz porque reencontrei "um amiguinho" da época do intercâmbio, ao que o André me respondeu: "Você fez intercâmbio quando tinha cinco anos de idade?"

terça-feira, 13 de abril de 2010

Noite adentro


Eu sou uma pessoa de vida noturna movimentada. Não, não sou baladeira. Mas também não durmo com os anjos. Não que eu me lembre. O que eu queria era saber com quem eu durmo. Eu me sou um mistério, é verdade, e acho isso a injustiça das injustiças. Como assim, não tenho acesso ao meu inconsciente, se ele é meu?


Do que me lembro, sei quase nada. Do que me contam, ainda muito pouco. Sei que falo durante o sono. Às vezes, rio, choro, suspiro. Quase sempre me movimento bastante. Cruzo as pernas, coloco-as sobre a parede, dou voltas de 360 graus na cama.


Esta noite, a Melissa, que virou a madrugada estudando na sala, disse que me ouviu gargalhar a madrugada inteira. Presumo que minha noite tenha sido boa. Não me lembro. Constantemente me relatam frases que falo durante o sono, nonsenses, sempre. E eu tomo para mim as palavras de Alice: "Mas em que sentido? Em que sentido?"


Aquilo que a memória retém pode sempre ser organizado em um fio lógico. Mesmo que inventado. Sonhei que eu era a Rita Lee, disso eu me lembro. Que era seu (meu) primeiro dia de aula e veio um hippie deitar em meu colo. E eu, Rita Lee, o acolhi e andei com ele eternamente grudado em meu pescoço. Inventei um milhão de interpretações para meu sonho, todas plausíveis. Se verdadeiras ou não, quem é que vai dizer?


Mas e aquilo que está em nós, sai de nós, foi pensado por nós e não temos nenhuma lembrança? Aquilo que existe como se não existisse? Aquilo que só tem um indício de realidade se exteriorizamos e se há alguém por perto e acordado o suficiente para perceber? Do que é feito esse outro eu? Esse eu que me foge...


quarta-feira, 7 de abril de 2010

As luzes da cidade

Outro dia a Melissa levantou um questionamento: Por que esses edifícios de escritório ficam com várias luzes acesas durante a madrugada? Será que há tanta gente trabalhando nesse horário? A minha teoria é de que os recintos iluminados são as salas dos seguranças.

Depois de tentar dormir, levantei da cama por causa de uma super gripe que me pegou e vim pra sala tomar remédio e um chá. Então a Melissa me indicou o prédio da Petrobrás, que podemos ver da nossa varanda, perguntando: "Você acha mesmo que todas aquelas salas com luzes acesas estão ocupadas por seguranças?" Olhei para o prédio. Respondi que sim, mas que não há um segurança por cada janela, mas que às vezes eles acendem todas as luzes do andar para poderem circular. A Leilane achou minha resposta absurda, pois ela acha mais plausível que advogados fiquem trabalhando até tarde. Não duvido que advogados trabalhem durante a noite, mas penso que eles levam o serviço para casa.

Alguém tem uma resposta melhor?

Pedido a São Pedro

São Pedro,

Há muito tempo você me contraria. Quando planejo praia, você manda chuva. Quando tenho compromisso, você manda sol. Você tem enganado o climatempo, de forma que, sempre que faço planejamentos tendo em vista a previsão, tenho uma má surpresa. Apesar disso tudo, acredito que você seja uma alma bondosa, embora talvez excessivamente brincalhona. Acreditando na sua bondade, venho encarecidamente fazer meu pedido:

Que os dias sejam amenos, com céu azul e aquele amarelinho de tempo ensolarado. Mas que os raios de sol estejam lá apenas para dar pinta, não para esquentar. Que haja uma brisa refrescante, não fria. E que nossa sensação seja de alternância entre morninho e frescor. Céu limpo, com apenas algumas nuvens, não de chuva, mas daquelas redondinhas e fofas, como de desenho de criança.

Mas caso queira mandar chuva, que ela seja forte e acompanhada de muito frio. E que seja num feriado. Mas me mande também para um chalé bem aconchegante, com namorado ou bons amigos. Que haja uma lareira, um violão e jogos de tabuleiro. Não se esqueça do chocolate quente, chazinho, sopas, casadinho, pães e bolos. E que venha a chuva.

E caso queira mandar um solzaço, desses de queimar a pele, me mande para uma praia bem distante, com direito a acompanhantes. Que o mar seja de águas calmas, em um azul transparente sem fim. Que haja uma cabana pequenina quase caindo na areia. Que tenha uma varanda com uma rede, que tenha vários coqueiros. Que haja sempre à mão sucos de frutas, água de coco, frutos do mar. E que venha o sol.

Agradeço desde já.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Certos dias de chuva...

Ontem, após uma sucessão de pequenos desastres, decidi que era um dia para me trancar em casa e não sair mais. Como não resolvesse e as tragédias mundanas continuassem a me perseguir, me fechei no quarto. Talvez fossem elas apenas um aviso da chuva que estava para chegar. Cidade alagada, Rio transbordante.

Hoje amanheci com uma chuvinha fina e todos em casa, inclusive uma amiga ilhada que se refugiou aqui. A segurança pública recomendava que não saíssemos de casa, contou alguém que assistira ao noticiário. Há muito desisti das notícias tristes do mundo.

Como ainda não sei com que sorte acordei e tampouco se o carma de ontem continua a me perseguir, resolvi passar o dia acampada na cama, por precaução. Um copo de Mate e uma dose de Rubem Braga trarão um pouco de delicadeza para meus ásperos dias de chuva.

sábado, 3 de abril de 2010

"Tudo numa coisa só"

Todos nós temos que viver cada situação por todos os ângulos possíveis: é o que estive pensando nos últimos dias. Talvez só assim aprendamos a nos respeitar mais.

- Todo mundo tem que ser pedestre, pegar ônibus, metrô, trem, avião, ser piloto, caminhoneiro, motorista de ônibus, de carro, andar de bicicleta, de moto, de patins.

Ontem fui andar de bicicleta e pensei seriamente sobre o assunto. Apesar de o passeio ser delicioso, percebi que me estressei muito com o trânsito na ciclovia. Muitas pessoas simplesmente ignoram o fluxo de bicicletas e caminham na pista como se estivessem desfilando, ou sentam na calçada e esticam as pernas no caminho, ou atravessam a ciclovia sem ao menos olhar para os lados, forçando-nos a frear repentinamente. Eu também confesso que nunca fui uma pedestre muito atenta para as bicicletas, até começar a pedalar e ver a coisa pelo outro ângulo. Também não era muito atenta aos carros, até começar a dirigir. E quem não pega transporte público não tem ideia da desumanidade que é entrar em um vagão sendo empurrado e espremido. Quem não é pedestre não sabe a humilhação de ser molhado por um carro apressado que passa em poça em dia de chuva. E fico imaginando as experiências pelas quais nunca passei. Nunca dirigi um ônibus, mas observo a vida dura dos motoristas que, além de lidar com o trânsito, ouvem diariamente impropérios dos passageiros.

- Todo mundo tem que ser aluno, professor, diretor de escola, coordenador, faxineiro e bedel.

Quando eu era apenas uma aluna, dei muito trabalho para os professores. Quando fui professora paguei pelos meus pecados, mas, ao mesmo tempo, procurava preparar aulas muito mais interessantes, ao me lembrar do que me atraía para o aprendizado nos meus tempos de estudante. Ao mesmo tempo, passei a ser muito mais compreensiva como aluna, pois sabia que o professor é só mais uma pessoa como nós, que está em uma posição como um alvo fácil. Não passei pelas outras funções, apenas tento imaginar...

- Todo mundo tem que ser protagonista e figurante.

A gente tem que ser protagonista para saber o gosto do poder e da responsabilidade. A gente tem que ser protagonista pra reconhecer o valor da privacidade. A gente tem que ser protagonista seja em um filme, peça, ou na vida de alguém. E a gente tem que ser figurante para aprender a enxergar aquela pessoa que a gente nunca enxerga. O figurante é aquele que chega antes de todos, vai embora depois, trabalha o dia inteiro e recebe mal. O figurante às vezes come separado do resto da equipe, com uma comida bem piorzinha. Hoje fui gravar um comercial, cheguei às nove da manhã e fiquei na sombra esperando minha cena. Comecei a olhar os figurantes gravando, debaixo do sol, correndo de lá pra cá. Eles haviam chegado às cinco da manhã, tinham que comer depois de todo mundo, só podiam se trocar depois que todos desocupassem a van do figurino. Acho desumano. Todo mundo tem que ser figurante, seja em que situação for, para aprender a enxergar essas pessoas, os invisíveis.

A gente tem que ser todos. A gente tem que ser tudo. Ou isso. Ou apenas a empatia salva o mundo.