segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Mundo Cão


Após apresentarmos cena em que eu fazia um cachorro que seguia seu dono, estávamos sentados na varanda quando o diretor se aproximou:
Diretor: Sabe que eu tinha pensado em fazer isso que vocês fizeram? Colocar o cachorro como um humano leal.
Luís Renato: É, mas é melhor você procurar outra pessoa, que a Lian já é minha.
Professor: Sua? Sua o quê?
Luís Renato: Minha cachorra!



E cada vez mais reconheço meu lado cão. À medida que passam os anos vou abandonando a capa e o uniforme da heroína e começo a assumir essa verdade de que tanto fugi: eu me completo no amor ao outro, na doação, na lealdade. Eu não sou independente como eu proclamava ser, em uma época em que eu dizia que nunca abriria mão dos meus planos profissionais por causa de outra pessoa. Eu me espelho no outro e o mundo me faz sentido quando eu direciono amor.

Existe um conceito sociológico denominado "o outro significante". É aquele ou aqueles para quem você quer ser importante. É o olhar que te direciona. Há aqueles para quem o "outro significante" é o inimigo. São aqueles que agem pensando no julgamento do inimigo: "Se eu fracassar, ele vai achar bem feito". Nunca entendi bem a lógica de se deixar guiar por aqueles que não te querem bem. Outrora meu "outro significante" era um plural, um alguém anônimo, a humanidade. Eu me via sendo uma grande escritora, talvez uma grande filósofa. Eu me via sendo grande, enfim.

Hoje me vejo pequena. Amando e sendo amada. Família, filhos, amigos. Eu aprendi isso com um pé de caju, com uma tamanduá, com um passarinho. Eu aprendi com amores verdadeiros, amigos de língua, de fé, de vida. Eu aprendi com meu pai e minha mãe. E aprendi através de um longo caminho pelo qual segui sem olhar para trás e sabendo que lá deixava todas as não-coisas que mais me importavam. Porque eu tive que dar a volta ao mundo para chegar a este ponto do qual nunca saí: o amor.

Sou cachorro. Sou cachorro na vida e no horóscopo chinês. Antanho quisera ser tigre, dragão ou outro animal imponente. Lamentava ser cachorro, apenas. E hoje me vejo no espelho e sou: cachorro.


sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Meditação

Quando preciso fugir da cidade, vou para lá. Às vezes deixo um biquíni reserva, outras vezes desço de vestido ou com a sunga do amigo. E não tem importância, porque eu só vou com o essencial e largo todo o resto para trás: a correria, as preocupações, a tristeza, a vaidade. As crianças, ao me verem, aproximam-se correndo, querendo puxar assunto, brincar de fôlego ou apostar corrida.

No outro dia um garoto me perguntou:

- Você sabe meditar?

Eu respondi que sim.

-Me ensina?

E lá fui eu, achando graça, ensinar a posição de lótus e o mantra "OM MANI PADME HUM...":

- Vocês têm que ficar nessa posição repetindo várias vezes o mantra, assim vocês atingem a iluminação.

Depois de muito malabarismo para conseguirem alcançar a posição, as crianças ficaram pacientemente repetindo o mantra. Eu estava contente, pois fizera-se paz na piscina e, com elas meditando, eu não precisava correr ou fazer guerra d'água. Após um tempo surpreendentemente longo, uma das crianças abre o olho:

- Cansei. Se eu continuar, o que acontece?

- Ora, se você não parar de entoar o mantra, uma hora você atingirá a iluminação, o que quer dizer que você verá toda a verdade das coisas e estará integrado à unidade do universo.

- Hum... então vamos continuar.

Eu mal conseguia acreditar. Ok, então. Continuamos. Elas seguiam pacientemente enquanto eu já estava entediada. Sugeri:

- Tive outra ideia. Vou ensinar Yoga para vocês.

E lá fui eu recuperar do fundo da memória um pouco das posições que tinha aprendido durante meus poucos meses de curso, alguns anos atrás:

- Vamos fazer a saudação ao sol.

E as crianças divertiam-se, enquanto tentavam, com esforço dedicado, copiar as posições que eu ia mostrando.

***

No último final de semana, decidi enfrentar o verão escaldante do Rio de Janeiro fugindo novamente para a piscina do amigo. Descemos e ficamos calmamente batendo papo dentro d'água. Até começarem a aparecer as crianças, correndo, gritando e jogando água. Não demorou muito e uma delas me chamou:

- Tia, vamos meditar?

- Ok, vamos.

Todo exibido, o garotinho foi chamar os amigos, dizendo que eu iria ensiná-los a meditar. Logo de início ele já cruzou as pernas na posição de lótus com facilidade, me dizendo:

- Agora eu consigo fazer direito, porque, desde aquele dia, eu treino todo dia antes de dormir.

- Ah, você medita à noite antes de dormir? - eu perguntei.

- Não, eu não medito, eu só faço a perna.

- Ah, tá.

Já os amiguinhos dele não conseguiam fazer a posição. Ao verificar que a perna do colega não estava cruzada do jeito certo, ele interrompeu o início do mantra, dizendo:

- Está errado. Desse jeito você não vai atingir.

Comecei a rir. Resolvi prender melhor o cabelo, antes de recomeçar. Quando me dei conta, a piranha de cabelo, que antes era branca, estava amarela. Eu não havia percebido que era uma daquelas que mudam de cor ao serem expostas ao sol:

- Ué, minha piranha era branca, agora está amarela!

- Ora, ela está iluminada! - completou meu amigo, o que me rendeu mais gargalhadas.

Novamente, o garotinho interrompeu:

- Tia, vamos fazer aquela coisa do sol?

- A saudação ao sol? Está bem.

E lá fomos nós.

***

Não atingi a iluminação, mas de alguma forma essa meditação de piscina, crianças e amigo funciona tão bem!

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Excessos


E de repente eu me cansei de ter nascido indo embora. Talvez eu esteja começando a ficar velha e sinta a vida ficando para trás. Houve o tempo em que eu seguia despreocupadamente e cada novo caminho era uma via que tinha de ser explorada com sede violenta. Hoje eu procuro as migalhas devoradas pelos pássaros. Eles que voam livres e levianamente despistam-me das trilhas que percorri. As ruas de Goiânia. Eu sigo por elas pensando talvez encontrar um caminho de volta. Todas as ruas têm um nome. Um só nome. Eu as percorro e não encontro o portal, o ponto de encontro das paralelas. O infinito é distante e eu prefiro o aqui e agora. Por onde volto? Onde se esconde a chave de um tempo em que o tão pouco era tanto? Mas eu sigo, eu sigo. Eu pego esse vôo sem volta e desço na cidade dos excessos. Excessivamente quente, povoada, barulhenta. Excessivamente nula. E eu querendo o pouco para me preencher...

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Goiânia: vários motivos para ser feliz e um para não ser


Vários motivos para ser feliz em Goiânia:
- Pamonha, pequi, cachapa, quiabo, milho e abobrinha refogados.
- Montar quebra-cabeças e ter que remontar tudo depois de o gato desmontar e esconder as peças pela casa.
- Tomar chazinho em casa na companhia dos pais.
- Sol que aquece sem grudar, chuva que refresca sem sufocar.
- Andar de um lado pro outro com guias turísticos debaixo do braço, viajando com antecedência.
- Celebrar feriado fora de época.
- Abrir as janelas da casa e ficar estudando Jung.
- Dirigir à noite com janelas abertas e rádio ligado.
- Jogar baralho e conversa fora.
- Aproveitar o verde e o silêncio da doce paz burguesa.

E um motivo para não ser:
- Estar em Goiânia em 2011 e não em 2001.

(O outro motivo foi eliminado hoje de manhã, mas isto será um post à parte: dentista!)

domingo, 9 de janeiro de 2011

Natal dos Amigos 2011


Desta vez não encontrei a árvore de natal que há muito enfeitava nossas festas. Então pendurei um móbile de Papai Noel em uma samambaia para demarcar o cantinho dos presentes. E a família foi chegando, pois Natal é data que se passa em família. E a gente vai agregando porque, se deixar, a própria vida trata de desagregar. E desta vez não teve gincana nem sarau, mas o encontro em si já era um acontecimento. Pessoas que se reconhecem e que se alegram em se ver. Veio quem está se despedindo, veio quem está crescendo, veio quem está se casando, veio quem sempre vem. E o amigo secreto parecia uma sucessão de marmeladas, mas a verdade é que é difícil tirar o nome de alguém que não seja irmão. Somos.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Entre estrelas




E eu fui dirigindo pela noite e agradecendo a este Deus em que não acredito: agradecendo pelas amizades, pelos amores, pelos momentos e pela própria noite. Porque aceitar a falta faz com que reconheçamos a presença. E entre palavras e copos e talheres às vezes um momento de plenitude. Entre estrelas, asfalto e um rádio ligado, também. Às vezes basta abrir as janelas.