sexta-feira, 24 de junho de 2011

Singrar


Foi-se o porto e agora tudo é mar. Houve um momento de esperança desse encontro, como se houvesse o que encontrar. Você procurando tesouros em mim, barco vazio. E os meus tesouros estavam ao redor: o azul. Eu quis te levar para navegar. Você insistindo em entrar neste barco de portas trancadas, cheio de fantasmas. Navio de guerra. Navio pirata. Eu naveguei tanto para chegar até você. Mas são diversos os caminhos. E a lua controla a maré. Você veio por terra. Eu não soube ancorar. Eu não sei o peso do navio de carga. Menina lançada ao mundo, você disse. Então eu abro as velas e me lanço ao vento. A insustentável leveza carrega essa dor do ser. Que o vento saiba o que eu não sei. Eu me lancei.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Paraisópolis


Nos encontramos no caminho dos malditos. Eu subi dois degraus para alcançá-lo. Ele pediu que eu trouxesse um pedaço do céu. Eu, que não soube que azul escolher, trouxe uma nuvem. O Universo rindo de mim e eu rindo junto. Menino de skate na vila. Imensidão. Êxtase. Bandeirolas e vinho barato. Essa luz amarela é linda, mas dói de beleza. Eu doo. De doar e de doer. Nome Jonas, apelido Serafim. Pode acontecer. Eu gosto dos ossos e dos lugares estranhos. O mesmo presente burocrático. A mesma paixão por rituais. Se ele disse, fui eu quem pensei. E por que não paro de pensar?

sábado, 18 de junho de 2011

Baby é magrelinha


Conversando com um amigo sobre o que eu esperava de um relacionamento, ele me disse que eu deveria escolher entre liberdade, segurança e arrebatamento, pois eu não poderia ter os três ao mesmo tempo. Ele falou brincando, mas pensei a sério sobre o assunto. O que me é essencial e o que não é. O que me move.

***

O dia estava lindo, estava livre. Pulei da cama pensando em pedalar pela cidade. Joguei meu kit de sobrevivência na cestinha da bike: um garrafa d'água, cachecol, bolsa e um livro. Saí feliz da vida. Já na primeira rua que atravessei, ouvi o barulho de algo caindo. Era a luzinha da roda. Não faz mal, pensei. Já pedalando no aterro, outro contratempo. Desta vez quem caiu foi a cesta da bicicleta, com meus objetos voando para tudo quanto é lado. Um senhor e um rapaz pararam para me ajudar. Tive que fazer uma gambiarra com elástico de cabelo, para fixá-la de volta, e não é que funcionou? Mas já fiquei alerta e me perguntando se não seria tudo um sinal. Talvez fosse hora de voltar para casa e ficar quietinha, antes que algo mais sério acontecesse. Não quis me ligar a esse pensamento e segui em frente.

Em Botafogo, parei em um posto de gasolina para perguntar como eu seguiria para Copacabana, se havia algum caminho com ciclovia. O rapaz do posto não soube responder e ainda pediu que eu tomasse cuidado, pois mais cedo mesmo tinha morrido um ciclista logo ali. Eu tapei os ouvidos e disse que não me interessava, que não queria saber. Ele ainda apontou o local, enquanto eu dizia: "não, moço, não me conta essas coisas". Saí pedalando entristecida de morte e me perguntei mais uma vez se não seria hora de voltar. Não quis. Mas fui pedalando com essa tristezinha a mais de ciclista morto atropelado. Então fui cantando "Pra acabar", do Marcelo Jeneci, e a tristeza foi passando. E quando me concentrei no mar, de repente tudo ficou grande, grande, e a tristeza ficou pequena até sumir e se transformar em uma onda de alegria, êxtase e plenitude.

Fui até o final da pista no Leblon, subi para almoçar no Balada Mix, desci ao Arpoador e fiquei um tempo lendo meu Artaud, até um grupo barulhento parar ao meu lado. Troquei de canto, li mais um pouco, depois deitei e fiquei sentindo o sol batendo no rosto. Peguei novamente minha bicicleta, dei a volta no Leblon, voltei, parei para pegar um brownie em Copacabana e segui para casa. Cheguei livre e preenchida de vida. Arrebatada.

***

Meu amigo me disse para escolher entre segurança, liberdade e arrebatamento, pois tudo junto não pode ser. Depois de pensar sobre o que me move e o que me é essencial, optei pelos dois últimos. Estou pensando seriamente em me casar com a minha bicicleta.


domingo, 12 de junho de 2011

Oração dos namorados


Que o prazer seja maior do que a prisão.

Que se caiba na vida do outro do tamanho que se for, sem se encolher ou esconder. Que se possa ser grande. E que haja espaço para crescer.

Que as dúvidas sejam dádivas, não dívidas. Mas que se divida.

Que seja vida.

Amém.

sábado, 11 de junho de 2011

Pandora


Pensou em voltar para a cama, mas sabia que quando pegasse no sono seria hora de levantar. Então ficou ali, sentada, com uma dor de cabeça de noite maldormida, pensando no que fazer naquele entre-tempo. Nisso tocou o interfone. Casa 15? Era para ela. Um sedex. Quando olhou para a caixa, reconheceu a letra, viu o endereço no pacote e leu o medo nas entrelinhas.

Já em seu quarto, diante da caixa aberta, olhava aqueles objetos sem saber o que seriam e muito menos o que significavam. Leu a carta e compreendeu. Um presente, talvez. Uma celebração. Um gesto. Mas um gesto de quê?

Havia aquele cheiro.

E ela tinha esse bicho que lhe antecipava o mundo olfativamente e decidia, de antemão, seus afetos. Esse maldito corpo que precedia toda sua tentativa de organização. Pensou em um nome para denominar os sentimentos suscitados. Mas eram muitos e contraditórios.

Fechou a caixa e seguiu a vida.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Entre gatos


Bom é ser gato entre gatos. É ter sete vidas, porque tantas não cabem em uma. É o carinho certo, o prazer genuíno do ronronar. Bom é não ter que atender quando alguém te chamar. É se fazer de desentendido. Desentendido não. É o se dar o direito de ignorar. E aparecer quando der vontade, apenas. Desejo honesto. Verdade. É viver esse estado de concentração, de deslumbramento com o pequeno. Lindo é o barbante, o voo do inseto, a janela. É descobrir outros tempos. Caminhar em câmera lenta e saltar em um segundo. É ser o dono do mundo. É eriçar todos os pêlos e mostrar todos o dentes ao surgimento de um outro, até que três dias depois ele não seja mais outro, mas um pouco do um. Até os cheiros se confundirem. Até dividirem cama, sofá, tapete, ração. É a troca do calor. É fazer do outro quarto, sala, salão. É fazer festinhas, é preparar o terreno, é se aconchegar. Eu quero isso: ser um gato entre gatos.