quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Prateada


Não há uma molécula de mim que não seja exatamente eu. Engraçado pensar isso em uma circunstância dessas. O cérebro querendo pular para fora do crânio. Há três dias. Dói pacas. É assim que ele reage após uma semana acordado, trabalhando dia e noite. Mas essa também não sou eu? Essa que, ao ser pressionada, se joga contra as paredes, tentando escapar?

E de repente aqui me encontro, aprisionada entre a cama e o sofá. Às vezes, em um esforço sobre-humano, vou ao mercado, à farmácia. Ontem fui ao parque, queria ler meu livro sob uma árvore. Na volta, doía tudo. Mas ainda assim eu gosto de olhar as pessoas e sua eterna novidade. Aqui na Rua do Catete tem um novo garoto prateado. Ele é engraçado, porque definitivamente não nasceu para ser prateado. Tem gente que nasce, sim. Não é o caso. Outro dia o vi andando bêbado, cambaleante. Então menino prateado também fica bêbado?

Cena mais bonita eu vi ontem, na mesma rua. Mendigo andando, jovem e negro, um pé descalço, outro com uma meia. A calça amarrada na cintura, para não cair. Ele passa e joga uma moeda para a velhinha, sentada na calçada. Mendigo dá esmola para outro mendigo? E eu, que quase não dou. Outro dia, voltando de Niterói, tive vontade de dar dois reais a um velhinho na Praça XV. Ele sorriu e agradeceu tanto, que me senti quase egoísta, sabendo que dar aos outros é um bem que faço pra mim.

Esta noite sonhei que um bando me perseguia, enquanto eu fugia a cavalo. Passei na frente do meu prédio de infância, gritando por ajuda. Lá, recusaram-se a me ajudar, não por má vontade, mas porque era meu dever me virar sozinha. Acordei com crise de tosse, cabeça pesada. Lembrei de quando passei mal naquele barco, na Austrália, rumo à Barreira de Corais. Eu esperava que alguém tirasse da cartola uma solução. Que alguém me dissesse o que fazer, me entregasse um comprimido mágico, qualquer coisa. E me dei conta disso: É problema meu. É meu dever aguentar.

E, com o corpo dolorido, a garganta queimando e a cabeça explodindo, eu aguento. Eu não só aguento. Eu sou feliz. É esse meu trunfo e minha vingança. E, mesmo que nenhuma outra pessoa no mundo seja responsável por mim, e que ser feliz seja meu problema e meu dever, é a todas as pessoas que eu devo isso: essa súbita crença que eu tenho no homem. É porque eu olho ao redor e vejo pessoas generosas, prateadas e poetas.

E de repente a dor que eu sinto não filtra a beleza do mundo.

4 comentários:

Daniel Borges disse...

é, quando se resolver problemas é preciso mergulhar neles!!

mahh disse...

Kate Perry disse: "Baby you are a firework!"

Leilane disse...

Que nunca filtre!

Marcio Nicolau disse...

teus textos reluzem!