quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A um menino de skate

(Da pequena menina balinesa ciclista. Da doce chinesa de olhar distante. Da menina dos sonhos e signos. Da menina das bolinhas. Da menina saída dos filmes de Kar Wai Wong.)


Já havia tempos que o tempo havia me dito sobre as novas trilhas a seguir. Mesmo que vislumbrássemos um no outro as nuvens e pérolas... faltaram as frestas. Eu não encontrei mansidão nas águas para o mergulho, como você não deve ter encontrado as pedras da escalada. Assim é. E, se assim é, assim deve ser.

Foi bonita a estadia mesmo que breve, brevíssima, em Paraisópolis. Foi bonito você ter passado pela vila de skate e ter aberto as portas da muralha que construí. Porque eu saí de lá outra e reaprendi a manejar as entradas e saídas. Aprendi a aceitar invasões, ainda com susto, mas sem as tantas pedras na mão.

Há tempos que o tempo me diz sobre isso: um novo tempo. As portas que você me abriu para que eu saísse assim, desorganizada. É que cada pessoa é um ladrilho, um pedacinho do caminho para nos ajudar a ir não sei aonde. Não sei aonde vou, mas sei que um tempo atrás vim desse susto: você. Um tombo. Um esbarrão entre uma menina descalça e um poeta de skate. Desse breve encontro nasceu uma cidade, Paraisópolis. Nasceram fogueiras e bandeirinhas, talvez porque fosse junho. Talvez porque fosse frio.

Mas talvez nunca é o que é, apenas. E o que é foi um vento descompassado, que assim deveria ser. Porque as minhas pedaladas apressadas te arderam em febre. E a tesoura com que modelei seus cabelos te deu uma face que não era sua. E porque ambos nos alimentamos de uma escuríssima doçura, ou de uma dulcíssima escuridão. E trazemos esse movimento, esse eco do início de tudo. Nós dois conhecemos o abismo e talvez por isso o recuo, um pé que sempre insistiu em fincar-se no chão.

Nisso somos iguais: merecemos que, se nos tocarem, que seja para vibrar. E seguimos em frente quando nossos dedos e nossas cordas deixaram de produzir as ondas que balançam o mundo. Mesmo que em algum canto ainda reverbere aquele momento, lá atrás, em que cantamos em uníssono.

Não nego que coração silenciou um minuto inteiro ao ler suas palavras, que já eram minhas. Recolho o silêncio e sigo as estradas. Desejando que em sua nova escalada haja sempre onde se agarrar. Que ela te eleve. E que você encontre as nuvens, aquelas já conhecidas. Mas já outras.

Te vejo no palco. Te vejo no alto, sempre. Te aplaudo.

Mando um beijo do elefante marinho.

Um comentário:

Clarice disse...

Uau! Depois de ler e reler, só o silêncio emocionado.
Não sei se você já tem publicações, mas se planejar, este texto deve ser um pedaço do coração de seu livro.
Abraço.