sexta-feira, 13 de julho de 2012

Área de refúgio



Segue-se o tráfego de homens e máquinas. E, no meio da estrada congestionada, uma placa: ÁREA DE REFÚGIO. Vejo uma entradinha que dá para a mata. Pergunto, em meus parcos conhecimentos sobre trânsito e estradas:

- É por ali que se entra para a área de refúgio?

Escuto as risadas. Não é. Fico sabendo que a placa referia-se apenas a uma espécie de acostamento. Bobagem minha pensar que existe esse lugar, um portal na floresta para onde correr, após abandonar o carro e, com ele, o mundo dos homens e máquinas.

É bobagem sim. Mas ainda assim.

Eu te daria as mãos e nós dois saberíamos. Despir o corpo da pressa e da poluição. Deixar. Seguir.

Eu te daria a mão.

Dentro da mata, um caminho estreito. No fim do caminho, um caminho. Área de refúgio. Se eu te pintasse de índio. Terroso. Urucum. Se eu te moldasse no barro. E súbito me desse conta: do mesmo barro somos feitos. No mesmo barro somos um. Milho, mandioca, batata doce. Meu universo te sonhou antes de eu acordar. Estrela cadente, estrela do mar. Tubérculo, raiz. Refúgio não é fuga. É fundo. No meio do mundo mais mundo. Eu mais feliz.

Parei o tempo pra te contemplar. Quem te untou de azeite, manteiga? Quem te salgou no mar? Brasa, fogueira, explosão solar. Mamífero, leite, via láctea. Eu me antropofagio de você. Eu me refugio em você. Calor e alimento. Vida e sustento.

Mas foi só bobagem, bobagem.


No meio da estrada, só um acostamento.



terça-feira, 3 de julho de 2012

Carros chineses


Meu pai tem mania de ficar feliz ao ver carros chineses:

- Não é mania! - diria ele - Também não é nacionalismo!

E, enquanto buscamos explicações, ele resmunga:

- Vocês não entendem.

Nós não entendemos, por mais que tentemos penetrar nessa lógica tão dele.  Às vezes me atrapalho tentando seguir esse mundo que não entendo. Certa vez, conversávamos sobre aniversários e datas especiais. Ele dizia que não gostava de nada disso. Eu disse que tudo bem ignorar dia dos pais, das crianças e afins, mas que aniversário era uma data importantíssima. Ele me respondeu que esse era meu pensamento, mas que ele era diferente de mim. Naquele ano, mesmo sem compreender, resolvi respeitar seu sentimento em relação à data. Mesmo lembrando, fingi ignorar seu aniversário, para que ele não se sentisse desconfortável. Fiz o mesmo no dia dos pais, ainda que a mídia e a publicidade obviamente impossibilitassem o esquecimento. Mais tarde, soube por minha mãe que ele havia se chateado. Fui tirar satisfação e ele me respondeu:

- Não gosto de festa, não ligo para presente, mas ninguém gosta de ser esquecido.

Entendi. Nem sempre eu entendo.

Mas quem disse que se pode apreender racionalmente a alegria de alguém? Meu pai gosta de ver carros chineses. Quando o encontro ele me conta:

- Hoje vi dois.

Eu vejo o brilho em seus olhos e os meus brilham também. Às vezes, quando estou com ele, em Goiânia, no meio do trânsito, ele dá um berro:

- Olha, olha!!!!
- O quê??
- Um carro chinês!
- Ah, era isso? Ufa, que susto você me deu!

E vou achando graça das manias do meu pai. Quase sem perceber que o amor nos lega, também, suas manias. A minha é ficar alegre por sua alegria, mesmo que imaginária. Por isso, sempre que vejo um carro chinês, onde quer que eu ande, eu penso que o meu pai ficaria feliz, se estivesse aqui. Me ocorrem pensamentos do tipo "vou contar pra ele" ou "vou tirar uma foto e mandar por e-mail". Não faço nada disso. Só imagino sua satisfação e então fico, eu, feliz. 

Agora, sempre que vejo um desses carros circulando pela rua, sinto uma alegria inefável, dessas que, por não caber em nenhuma explicação, só tem cabimento na linguagem do amor. E encontro, enfim, uma razão.