sábado, 18 de agosto de 2012

Equador


O plano era este: sair de Galápagos e descer o mais rápido possível para o Peru. O tempo era curto e a expectativa dos outros ares vinha de longa data. Mas fomo-nos deixando ficar. Pouco. Pouquíssimo. Três noites em Quito e uma em Cuenca, apenas. Mas ainda mais do que o programado e muito mais do que o calendário apertado permitia.

Eram sempre as coisas pequenas que nos seguravam. As caminhadas e os sorrisos. Os sabores. As tardes vadias. Tão surpreendente ser arrebatada pelas esquinas cotidianas. A vizinhanca. Mariscal.

Sempre dávamos uma volta da nossa hospedagem, atravessando uma grande avenida, até chegar à rua do burburinho: Mariscal Foch. Apenas no último dia descobrimos que aquela era a nossa própria rua e que a volta era absolutamente desnecessária. Engracado ela ter se tornado exatamente a parte mais necessária daqueles dias. Estavam nos caminhos tortos, os encontros.

Depois da primeira caminhada passando por restaurantes mexicanos, americanos e argentinos, decidimos comer em um lugarzinho simples, de comida típica, bem na frente do hotel. Talvez fosse El Chicharron o nome do estabelecimento. Nunca tive memoria boa para nomes. Mas o sabor e os afetos permanecem frescos.

No restaurante, apenas uma mesa ocupada. Um grupo de senhores, incluindo o dono do lugar, bebia e jogava cartas.

- Tem cardápio?

Não tinha. Em vez disso, uma pequena lista de pratos na janela.

- O que é isso? O que é aquilo?

O senhor se dividia entre as vontades de nos atender com solicitude e de voltar logo ao seu jogo.

- É gostoso, é gostoso. - ele nos respondia.

E seus amigos vinham até nossa mesa, olhos curiosos infantis, nos explicar do que era feito cada prato. No fim, o dono resolveu quase arbitrariamente nos trazer uma porção de choclo mixto para provarmos: uma espiga de milho cozido, grãos amarelos de milho tostado e crocante, grãos gigantes e brancos, carne de porco assada e sequinha, um pedacinho de pele de porco crocante, uma massa deliciosamente feita de batata, banana frita, abacate e queijo. Temperávamos tudo isso com um molhinho ao estilo ceviche que ficava sobre a mesa.

E o milho, ou choclo, como explicar? Pra começar, devo dizer que sempre fui uma amante desse alimento e de todos os seus derivados. O que eu não sabia era que eu era completamente ignorante daquilo que eu pensava conhecer e amar. Acontece que só entao, naquele restaurante em Quito, eu experimentei o verdadeiro milho: uma espiga branca, macia e suculenta, com grãos gigantes e gordos. Fui ao céu e voltei. Fui novamente com o copo de limonada refrescante, receita secreta, da qual só podíamos saber que levava limão e água gaseificada. Depois de terminar a refeição, pedi outro prato repetido. Uma satisfação generalizada dominava o ambiente. A felicidade da boa mesa. Os senhores, orgulhosos, retornando ao seu jogo de cartas.

Voltamos na tarde seguinte ao restaurante, pedindo o mesmo prato. O dono anunciou, diante da minha decepção, que não havia choclo aquele dia. Mas nos trouxe um prato de hornado, que era quase igualmente delicioso. Ele jogava cartas com senhores diferente da noite anterior e era gozado como ele sempre se dividia, tentando nos agradar e ao mesmo tempo voltar o mais rápido possível ao seu jogo. Enquanto isso, seus amigos tentavam prolongar o papo conosco, quase desejando estar no lugar do homem que nos atendia.

- Estou satisfeita, mas frustrada por não ter comido milho.

- Eu vi uma loja de milho mais adiante, vamos lá?

Los Desgranados, chamava-se. Era uma lanchonete em que você recebia um copinho de milho (o choclo suculento e gorducho), escolhia um molho e acrescentava por cima queijo ou carne. Não quis molho nenhum, senão uma manteiguinha. E pedia o mínimo possível de queijo, embora ele fosse saborosíssimo.

- Qual o nome dele?

- Esse é o queijo equatoriano, muito comum nas montanhas.

Descobrimos que aquele era o dia da inauguração do estabelecimento. Que fosse um dia de sorte. Seu dono chamava-se Fabian. Ele tambem adorava viajar e por isso nos deu várias dicas dos lugares por onde passou. Desenhou-nos mapas de Quito. Recomendou-nos programas, comidas. Retornamos no mesmo dia. E no outro. E no outro. E ali retornaríamos sempre, não fosse a partida. Era o milho suculento. Eram as amizades. Era Fabian e suas dicas. Carlos, o outro atendente, e seus sorrisos. E depois a mãe de Carlos, uma arquiteta simpática. Os novos clientes e amigos que iam aparecendo.

É claro que teve o teleférico, a Mitad del Mundo, a caminhada noturna pelo centro historico, La Ronda. Teve a procura por balas de coca, para prevenir contra os problemas com a altitude: o soroche.

- Sabes donde compramos caramelos de coca?

- Caramelos de coco?

- No, de coca.

- Coca?!

Os velhinhos da rua nos olhavam com cara de espanto. Encontramos. Mas só depois descobrimos que, ao contrário do Peru e da Bolívia, a coca era ilegal no Equador. Ops.

Mas, muito acima dos programas turísticos, tinha o trajeto diário: as amizades que fazíamos no caminho. Fabian, no Los Desgranados. As tardes na Republica del Cacao, provando chapéus panamá, recortando revistas e recolhendo dicas para o restante da viagem.

Na última noite, descobrimos um restaurantezinho da comunidade negra. Comida baratíssima e de mãe. O atendimento não era lá essas coisas, até porque os garçons estavam muito mais preocupados em prestar atenção à briga que se desenrolava na porta do restaurante. Mas o prato era justo. Aconchegante.

- Podemos almocar aqui amanha.

- Mas não temos relação emocional com ninguém aqui. Se formos ao restaurante do senhor das cartas, vamos fazê-lo feliz.

Fomos. O restaurante estava lotado na hora do almoço e o dono era uma pessoa completamente diferente do senhor que ansiava por voltar ao seu jogo. Agitado e compenetradíssimo no trabalho. Alegramo-nos por saber que aquele lugar era tão movimentado. Ao nos ver, no meio da agitação, ele exclamou:

- Hoje tem choclo!

Anunciamos:

- Mas hoje queremos hornado!

Enquanto comíamos, ele aproximou-se da nossa mesa:

- Então vocês gostaram do hornado?

- Muito!

Despedimo-nos dele avisando que estavámos de partida.

- Se nao tivéssemos voltado hoje, ele para sempre pensaria que não retornamos por não gostar do hornado.

O que, definitivamente, não era verdade.

Refizemos nosso trajeto. El Chicharron, Los Desgranados, Republica del Cacao. Encontrávamos sempre alguém pelo caminho. O casal que eu escolhi chamar de argentino, embora ela fosse espanhola e ele, italiano. A criança no ônibus que me enumerava receitas: "Salsa de tomate, queso, un limonzito. Es riquissimo!"

E foi rapido. Rapidissimo. Mas a impressão era sempre de que eu poderia ficar. Chegada do nada. Fugida da prisão, talvez por transportar balas de coca. De que eu poderia ser ninguém ali e ainda assim ir ficando. Criando laços. Repetindo os sabores. Viver pelos caminhos tortos e pelas esquinas cotidianas.


3 comentários:

Anônimo disse...

Queroooooooooooooooooooooo!!!!!!!!!!!!!

Mr. G disse...

Vou puxar a pele do m eu rosto, um pouco depois da ponta do olho, pra mais perto da orelha e prender c durez, p ver se começo a enxergar a vida como você! Fora a inveja q eu 'tô de você ter conseguido ser Mario Bros e pulado em cogumelos!!

VC é única, e mais que especial! saudades!! beijos Gu

Irrelevante disse...

Que coisa é essa de provar que eu não sou um robô?