quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Galapagos


Tinha sempre uma mão amiga me puxando pelo pé:

- Lian, todo mundo está do lado de lá!

- Mas tem uma tartaruga do lado de cá!

Mais tarde ele me diria que, toda vez que olhava, via o grupo nadando junto, como fomos orientados a permanecer, e uma pessoa isolada, nadando pro lado oposto. Era sempre eu, MARavilhada, perseguindo um bicho qualquer.

Um dia fiquei sozinha com dois leões-marinhos. Eles se aproximavam, quase nariz com nariz, e, no último minuto, davam uma cambalhota. Eu, também, dava voltas na água, rindo abobalhada pelo tubo do snorkel, enquanto fingia ignorar os chamados do grupo, que já me esperava no barco.

Era esse meu inferno: um barco qualquer, que cheirava a combustível e chacoalhava em alto mar. Meu paraíso era mergulhar. Eu ia de um a outro, sofrimento e redenção. Às vezes passava o dia sem comer para minimizar o enjoo. Às vezes frio, vento e uma fumaça que me impedia de respirar. Às vezes uma pedra no oceano, uma ave, um detalhe qualquer, que fazia o tempo parar.

- Eu vi o rosto do tubarão! Que expressão engraçada ele tem!

Os segredos do fundo do mundo me sendo revelados. E quem sou eu para ter acesso a tanto? - às vezes eu me perguntava. Ver tartarugas gigantes, iguanas em bandos e rosto de tubarão nos faz parecer tão pequenos.

E, por ser pequena assim, eu merecia aquilo: o céu e o inferno. Era por isso que, sempre que alguém reclamava da falta de infra-estrutura, eu no fundo agradecia. Era preciso que estivéssemos em desconforto para que ficasse bem claro que éramos invasores e que aquele não era nosso lugar. Eu ouvia falar em desenvolvimento do turismo local e torcia pelo contrário. Torcia para que o turismo ali fosse sempre assim, parcialmente sofrido, para que nunca tivéssemos dúvidas de que aquela área não nos pertencia. Que o luxo e o conforto não alcancassem o local, para não atrair turistas que ali pisassem como se tirassem férias no Caribe. E, sobretudo, que o dinheiro nunca os atingisse, com sua lógica da destruicao e embalagens de sorvete atiradas à praia.

A vida que insistia em ser vida diariamente me dava bofetadas e me fazia questionar que direito eu tinha em estar ali. Mesmo que eu falasse baixo, pisasse leve e saísse pedindo desculpas, era sempre a casa do outro: a tartaruga que se escondia no casco, a iguana que cuspia quando ameaçada ou os leões-marinhos, que tentavam tomar seu sol em paz. E, quando eu via fotos de satélite das ilhas, me dava uma tristeza ao comparar o que elas foram ao que elas são. A área habitada crescendo, as cidades invadindo aquele pouco de mundo até então preservado.

Um guia nos explicou que em Galápagos houvera treze espécies de tartarugas gigantes. Com a recente morte de Lonesome George, sobravam dez, apenas. Tão perto de nós, a extinção das espécies. A vida que deixamos escapar, nossa vida que se extingue.

E todos os dias eu me envergonhava por ser gente. Eu me perdoava por ser gente. Então eu entendia. E aceitava. E agradecia. Toda gente é também bicho: seu lixo, seu rumo, seu rosto.

Estar no mundo é uma forma de alegria.

E posso sempre nadar pro lado oposto.



5 comentários:

Julia Lemos disse...

Nesse tipo de pensamento eu me encontro ainda mais próxima de você. Talvez seja esse o nosso encontro: nadando para o lado oposto não por razão, mas por sentimento. Esse sentir ser humano lixo no luxo e simplesmente recusar esse "progresso" que tanto abala o que é o bonito do mundo. E sustentar alguma coisa de sonho só de perceber o outro lado. É como eu disse na carta: você é uma resistência pura na sua própria forma de sensibilidade com o mundo e é aí que a gente mais se encontra!

Leilane disse...

Sim, podemos sempre nadar pro lado oposto e devemos. Imagino o tanto que você aprendeu em Galapagos, onde a vida começa e termina. Estou encantada com seu texto, e muito feliz pela sua experiência, apesar de você ter ido antes de mim!!! Só espero que esse lugar mágico encontre meios de escapar de resorts e do excesso de gente.

Clarice disse...

Melhor ainda, você pode nadar pro lado oppsto e debaixo d'água!
Morro de piedade a cada árvore que cai, a cada aninal que desaparece sem que o conheçamos.
Meu mergulho em águas vizinhas resultou em barotrauma, mas a emoção de ouvir os ruídos que em terra ignoramos, me compensou.
Que viagem fantástica mergulhar com você.
Abração.

alicexavier@bol.com.br disse...

eu faço viagens maravilhosas quando leio você. Obrigada por sentir a vida de forma tão especial e por compartilhá-la com a gente. Bjooo!

Sensibilidade a navegar com poesias disse...

Adorei seu Blog...é lindo...parabéns..vem me seguir...