sábado, 23 de novembro de 2013

Namastê



Minha primeira viagem de ônibus pela India foi um trajeto de dez horas, de Jaisalmer a Ajmer. Sei que o ônibus corria muito. Buzinava muito. Desviava bruscamente dos outros veículos e das vacas. Muito. Muitos. Eu logo adormeci, como faço em todos os meios de transporte. E sonhei, como se estivesse desperta, que o ônibus corria e quase batia - mais ainda. E eu sempre quase morria. Mas eu estava lá, entregue, se a hora fosse esta.

A verdade é que, pra mim, viajar é sempre como morrer. Chegar mais perto da morte, apalpa-la. E é fascinante e é pleno e é dolorido. A gente sente nos poros o que é a verdade cotidiana: estamos sempre partindo. Em casa estamos partindo. No avião estamos partindo. Dormindo estamos partindo. Sempre, sempre.

Talvez das viagens eu tenha adquirido esse jeito de olhar as pessoas: como se me despedisse. Olha-las nos olhos e, em meu íntimo, agradecer pelo encontro. O encontro das almas em vida. Porque cada encontro é raro e é único. Por isso gosto do cumprimento daqui: Namastê - meu deus interior saúda o seu deus interior. Porque nenhum acaso é insignificante. E, no universo de partículas infinitas, aconteceu de as nossas se encontrarem. E se transformarem. É sempre mais do que um esbarrão, cada encontro.

Hoje parto de novo, embora parta sempre. Deixo um estado que amei e que amava muito antes, desde que o namorava, pelos guias e fotografias. Hoje parto. E deixo. E levo. O quê? Vidas secretas que espiamos pelas portas e becos. Sorrisos, vários. Abeici, um senhorzinho do vilarejo, que me guiava pelo deserto e repetia "camelinho", ao me ouvir conversar com o camelo. Uma menininha muito suja que me acompanhou por uma escadaria, segurando meu dedinho. O moço do restaurante na cidade azul, com quem me impacientei ao descobrir que, uma hora depois, ele não havia começado a preparar meu pedido, e eu viajaria em breve. Depois fui embora chorando porque não o reencontrara para agradecer por todo o antes, por todos os pratos servidos. E, no final, um lar. Uma família, um quem sabe de promessa de retorno no diwali. E (quase não agüento mais) outro adeus.

A gente deixa o que pode deixar. Mas o que se joga no mundo é exatamente o que lhe volta, o que se tem. E em seguida há um novo ônibus e outra estrada, e segui-la é como morrer. Partimos sempre.


(texto de 24 de outubro de 2013)

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