segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Companhia de Transportes de Carruagem



Entrando na vila, de manhã, encontro um senhor desconhecido. Ele passa devagar e observando tudo. Parece especialmente curioso em relação à casa três, cheia de jovens, janelas abertas. Cumprimentamo-nos. Ele pergunta se moro aqui, confirmo. Há dois anos, digo, sem perceber que minto, pois moro há mais de três e nem notara a passagem quase covarde do tempo.

Então ele me conta, visivelmente emocionado, que nasceu aqui. "A casa ainda é de minha mãe, mas..." Sua mãe tem oitenta e oito anos, está hospitalizada. "Eu e meus irmãos estamos fazendo o inventário". Paramos diante de sua casa, uma das primeiras da vila, cor de rosa. Ele aponta a inscrição presente em todas as fachadas, com exceção da minha. "Está vendo aquelas letras? Dois Cs e um T. Sabe o que aquilo quer dizer? Companhia de Transportes de Carruagem. Nessa vila moravam todos os funcionários de transporte do Palácio do Catete".

Ele observa. Eu absorvo. O tempo repentinamente parado em um espanto duplo. "Aqui era muito bom de morar" - ele quebra o silêncio - "ainda é". " Ali atrás tem a delegacia. Na época eles mantinham celas com prisioneiros. De vez em quando fugia um e passava sobre essas casas daqui. Mas minha casa era do outro lado, então não havia nada".

"A minha casa é aquela ali" - aponto. "A única de tijolinhos, porque infelizmente foi transformada antes do tombamento". "Ahhhhh... sabe quem morava lá?"- ele se empolga. Fico na expectativa. Vou conhecer um pouco da história de onde vivo e torço, lá no fundo, para não saber sobre tragédias e fantasmas. "Ali quem morava era a Dalva, uma mulher maravilhosa, incrível! Depois ela vendeu a casa para um casal, eles venderam para outra pessoa... acho que eles nunca moraram lá". E é só isso. Só a Dalva. "Tem certeza de que ela não é mais a proprietária?"- pergunto. Ele garante que não. "Porque acho que até hoje nós recebemos correspondências para ela" - tento lembrar, sabendo que este nome não me é estranho.

Depois nos despedimos e eu sigo para minha casa, esta que um dia pertenceu a Dalva, uma mulher maravilhosa, incrível. E é espantoso perceber que em meio à velocidade da vida, parte da gente fica sempre um pouco. Na lembrança de um senhor de quase setenta anos que visita a casa de infância. Nas cartas que insistem em chegar, apesar da mudança de endereço. Em um tempo que, dentro do tempo, insiste em passar de carruagem.