terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Acordei com uma dor de cabeça de intensidade incomum e, como que para fugir, saí de casa correndo com minha lista de compras mental: fita adesiva, papel higiênico, água. Braços cruzados, cenho franzido, olhar agressivo de "por favor não me incomodem".
Não havia papelaria aberta àquele horário e tive que ir mais longe para encontrar a fita adesiva. Voltando para a região de casa, encontrei, ou melhor, fui encontrada por um amigo:
- Hoje você aparenta estar mais desanimada do que o normal.
- Minha cabeça está explodindo. - expliquei, quase chorando de dor.
- Calma - ele respondeu, colocando a mão sobre minha testa - vai passar. Já está passando, vê?
Ele me orientou que descruzasse os braços e deixei-me ali, de olhos fechados. E não sei o que ele fez, mas pelo menos naquele instante passou a dor.
Depois ela voltaria igualmente forte, mas aqui se aprende que qualquer instante já é uma vida. E qualquer gesto já é uma cura.
Seguimos cada qual seu caminho e voltei pra casa mais tranquila. Larguei as compras e fui encontrar outro amigo para o café da manhã. Havíamos combinado de ir juntos, depois, a uma clínica ayurvédica.
Cheguei antes ao meu cantinho do restaurante e comecei a colocar meu plano em pratica. Havia pintado duas plaquinhas de "não fume" na noite anterior e estava decidida a colá-la na parede. Daí a função da fita adesiva. Fui deixando tudo preparado fora da mochila para o momento de distração do garçom. Meu amigo chegou, mostrei-lhe as placas e pedi ajuda no plano.
- Não é melhor perguntarmos antes?
- Melhor não. Pois, se ele recusa, não teremos o que fazer. E, se colocarmos, ele saberá que fomos nós.
Estava certo que enchi as placas de florzinhas, o que me tornava ainda mais suspeita do crime.
Tomamos nosso café da manhã e aproveitei as breves saídas do garçom para colocar minhas plaquinhas. Quando ele voltou, percebeu imediatamente:
- Quem colocou isso aí?
- Eu - admiti.
- Você?
- É. Sabe, decidi que o restaurante precisa de pelo menos um espacinho livre de fumo.
Ele aceitou logo.
E eu fiquei contente em meio ao dia difícil. A dor, que voltava intensa em minha cabeça.
Depois fomos caminhando em direção à clínica. Era preciso que meus passos fossem lentos, pois cada movimento brusco ampliava a dor, que já era muita.
No final das contas, o médico não estava lá. Acabamos marcando consulta para outro dia e encontrando um lugar para tomar um chá. Era um agradável restaurante em um terraço, com vista para o rio. Percebemos que já estávamos com fome e pedimos almoço. Comida deliciosa, solzinho e um terraço cheio de crisântemos coloridos, que fiquei a fotografar.
- Este dia está sendo muito agradável. O mais agradável que pode ser, diante da condição em que estou. - agradeci a meu amigo, sem agradecer.
E por algum motivo durante o almoço mencionei que adorava quebra-cabeças e descobri que ele também. Demo-nos a missão de encontrar um e fomos parar no shopping de Varanasi. Sim, descobrimos um shopping em Varanasi. Compramos o brinquedo e fomos montar no terraço, sob um sol alaranjado, quase a se por.
- Você está com sede?
- Não. Estou montando quebra-cabeça.
- Você não está com frio?
- Não sei. Estou montando quebra-cabeça.
Assim estava eu, em estado de concentração absoluta, fazendo algo que sempre adorei e havia tanto não fazia.
Quando resolvi ir embora, dei-me conta:
- Minha cabeça já não dói!
- Eu sabia.
- Como você sabia?
- Você nunca mais reclamou.
Às vezes é só questão de encontrar a peça que faltava.

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