quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Certa vez, quando falávamos sobre horóscopos, um amigo me perguntou qual era meu signo-alguma-coisa. Não lembro o nome, mas era meu signo complementar, ou amigo, algo assim. Comecei a pensar nas grandes pessoas da minha vida, aquelas que me completam. Mas aí ele explicou que, nesse sentido, o signo amigo não era necessariamente das pessoas que você gosta. Mas é aquele que vem pra te fazer aprender. Normalmente, são as pessoas que te desafiam.

- Se o critério for relacionamento difícil, o meu é Áries. – respondi prontamente.

Coincidência ou não, os arianos conseguem me irritar como ninguém. Tenho poucos amigos desse signo e acho que nenhum foi amor à primeira vista, mas trabalho de aceitação e entendimento.

Mas depois comecei a refletir e percebi que nem sempre os que te desafiam são aqueles que te irritam. Há muito desafio na doçura e no amor. E a gente cresce com eles.

Aqui em Varanasi há babas e gurus por todos os lados. E gente sedenta por ensinamento.

Confesso que sou um tanto reticente com a ideia de seguir um guru. Parece-me um bocado estranho pensar em seguir alguém, como me parece estranho alguém se colocar em posição de ser seguido.

Mas também acho que somos todos gurus uns dos outros. E aprendemos a cada encontro.

E por aqui passam tantos, tantos rostos que apenas passam. Os contatos rápidos. Os nem tão rápidos. Os que passarão despercebidos.

Eu falo com algumas pessoas e com alguns bichos. Evito dar esmolas para não ser seguida por mais miseráveis, que se multiplicam. Encontro pessoas que estão aqui há mais tempo, que dão informações para minha pesquisa de doutorado, mas que também me guiam em minha vida na cidade. E eu sigo pessoas, sim. E encontro em todas elas um guru.

Cada ser que passa por nossa vida é um desafio, seja suave ou hostil. E por isso cada ser é um amigo. Porque aprendemos com ele.

Eu estava sentada em uma das escadas que dão para o rio, quando me apareceu um rapaz. Disse que fazia uma pesquisa com turistas e pediu que eu preenchesse um questionário. Perguntei para que instituição era a pesquisa. Ele não soube responder. Insisti, questionando se era empresa privada ou se era uma ação do governo. Ele disse que não era do governo, mas também não sabia dizer do que era.

Peguei o questionário. Informação nenhuma. Minha tendência era devolvê-lo em branco, mas lembrei que também fazia minha pesquisa naquela cidade. E que ela só era possível porque as pessoas se abriam a mim, tão prontamente a contribuir para o que quer que fosse que eu fizesse.

Resolvi dar um voto de confiança. Não total, porque não respondi os itens que considerava mais invasivos. Mas, quanto ao turismo em Varanasi, fui preenchendo tudo. Eram questões em que você podia marcar entre as variações de “muito ruim” a “excelente”, ou “discordo totalmente” a “concordo totalmente”.

No final do questionário, achei graça do tom esquizofrênico de minhas respostas, consideradas no conjunto. Era algo assim:

Limpeza: Muito ruim.

Facilidades: Muito ruim.

Atendimento nos hotéis: Muito ruim.

Tratamento dos vendedores locais: Muito ruim.

Segurança: Muito ruim.

Você concorda que Varanasi é um lugar muito sagrado? Concordo totalmente.

Você voltaria a Varanasi? Concordo totalmente.

Você indicaria Varanasi a seus amigos e parentes? Concordo totalmente.

Então me dei conta de que Varanasi é minha cidade-amiga: a cidade-guru. Aquela que me desafia diariamente, que tira de mim o que eu não tenho e de repente passo a ter.

E se me perguntarem se eu amo Varanasi, eu direi que concordo totalmente.

E sim, com ela foi amor à primeira vista.

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