quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Desde que percebi que as comidas de rua podem ser o paraíso na terra, resolvi que não deveria mais perder tempo. Dei-me a missão de experimentar cada uma delas. 

Por isso acordei e, depois de ler os textos e fazer as anotações do dia, saí às ruas, procurando algo para fazer de café-da-manhã. Pensei em iniciar com um chai junto ao rio, da senhora que me fora apresentada como de confiança, mas não a encontrei ali. Então fui até a estrada e vi um carrinho de comida, com um amontoado de gente.

- Escolha os lugares com muita gente - me aconselhara um amigo - porque tudo aqui já é frito, você não sabe há quanto tempo aquele óleo está lá, então pelo menos vá aonde haja bastante circulação de comida, pra não dar tempo de as bactérias ficarem se proliferando.

Pois quando vi aquele carrinho com as pessoas em volta, concluí que estava no lugar certo. Pedi um pratinho - não sei o que é - parecido com o que eu havia comido no dia anterior, em algum labirinto cujo caminho preciso aprender. É assim: tem uns bolinhos redondos, acho que de batata, que o homem amassa no prato. Depois joga vários molhos indefinidos e, por cima, quebra uma espécie de pãozinho crocante. Pronto. Saí eu feliz da vida com minha comida de rua. Criança com brinquedo novo.

Quando coloquei o primeiro pedaço na boca, veio-me o pensamento:

- É meio pesado para café-da-manhã, né?

Claro que era.

E de certa forma é o que tenho feito desde que cheguei: ido com muita sede ao pote. E esquecendo, assim, que o tempo das coisas é o tempo das coisas.

- Você já começou tudo errado, agora vai ter que mudar de cidade! - brincou uma brasileira, quando contei das minhas dificuldades aqui.

Ela, ao contrário de mim, chegou fechada e sem dar confiança a ninguém. Com o tempo foi aprendendo quem são as pessoas, com quem poderia falar. Enquanto eu cheguei querendo engolir o mundo e instantaneamente já fazer parte disso tudo. Quando me vi vulnerável, percebi que havia trocado os pés pelas mãos.

A gente se atrapalha quando quer mais do tempo do que o tempo oferece.

Por isso às vezes é preciso parar, enxergar tudo de novo, recomeçar. Mudei-me, finalmente, para o novo alojamento. Eu estava em dúvida até o último dia, é verdade, e continuava pesquisando outros lugares. Quando cheguei aqui, não sei explicar o porquê, mas me apaixonei pelo quarto novo, simples como os outros.

- Finalmente um lar! - pensei.

E fui comprar tapetinhos, porque, agora sim, tinha um espaço meu. Um lar, no tempo que a vida me ofereceu.

Passei o dia, contudo, com essa dor de cabeça chata, que eu acreditava ter relação com a comida pesada logo pela manhã.

- Está vendo? Você tem que aprender a não ir com tanta sede ao pote! - falava comigo mesma.

E eu não sei por que as coisas acontecem, mas elas acontecem como se fossem exatamente o que tivesse que ser.

O que aconteceu: Um homem passou por mim. Ainda não consegui entender quem é quem dentro do mundo hinduísta, mas tinha a testa pintada e puxou assunto. Veja bem, aqui até os sadhus, conhecidos como homens santos que se desapegaram do mundo material, pedem dinheiro o tempo todo, ao ver um turista. Ou chegam colocando um bindi, dizem que vão rezar e exigem dinheiro alto (para os padrões locais, claro).

Mas esse homem passou por mim, e eu senti firmeza em sua voz. Perguntou de onde eu era, se eu era casada (sempre digo que sim), quantos filhos eu tinha. Disse que queria me oferecer um prasad - qualquer alimento-oferenda. Recusei, já imaginando que ele fosse exigir dinheiro. Ele fez questão. Tirou uvas passas de dentro de um pote. Distraída, ofereci-lhe a mão esquerda.

- Tem que ser a direita! - ele me corrigiu.

Depois explicou que, na cultura hindu, eu o cumprimentaria da seguinte maneira: abaixou-se e tocou meus dois pés. E depois despediu-se e foi embora.

E eu vejo que há tanto a aprender e tão pouco tempo. Mas que o tempo entrega o que ele tem. E de nada adianta devorar todas as comidas de rua logo pela manhã, se é de tarde que lhe chegará alguém a lhe oferecer um prasad.

E com o tempo eu começo a ter um lar.

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