terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Há um dia em que você acorda, chega ao restaurante de sempre, e sua mesa de sempre, no cantinho, está ocupada. Você se conforma com a mesinha ao lado e, quando tenta tomar seu café da manhã em paz, todo mundo ao seu redor resolve fumar, inclusive os coreanos que roubaram sua mesa.
Há um dia em que você sai a andar pelas ruas, senta em qualquer degrau ao sol e, quando pensa em abrir seu livro, vem um estrangeiro e puxa assunto. Você conversa, afinal, é esse seu trabalho: entrevistar viajantes. Mas sempre há um dia, há esse dia, em que você não sabe direito o que faz ali. E você se sente um bicho do mato entrevistando pessoas em uma cidade como Varanasi. E isso te soa quase como uma contradição lógica. E você quer ficar sozinha. E ele chama:
- Vamos para a sombra?
Mas você está ali pelo sol.
Então você pergunta se ele tem fome e lhe sugere um restaurante. Ele se anima. Mas você não. Você permanece ali, sozinha com seu pedaço de sol e seu livro, até aparecer um outro viajante, recomeçar outra entrevista e você se entediar tudo de novo.
Há um dia em que você vai almoçar em certo lugar onde a comida é ótima. Mas você não vai pela comida, e sim pelo silêncio e pela presença discreta do senhor que te atende com o carinho dos introvertidos. Apenas nós, iguais, nos comunicamos e sabemos que, por trás das palavras silenciadas, há um oceano de reconhecimento.
E depois você vai procurar um lugar para esperar a lua, mas encontra alguém que já se tornou um amigo e vão juntos tomar um chai. É uma presença agradável e que tem vários conhecimentos interessantes a ensinar. Mas fuma. Novamente, todos ao redor fumam. E de repente bate aquele desespero, um sufocamento e vontade de fugir para qualquer lugar onde se respire. Você desiste da lua e sai com o cabelo cheirando a fumaça. Não aquela boa dos incensos e fogueiras, mas a fumaça dos cigarros, que nunca dão trégua.
Há um dia, sempre haverá um dia em que você preferirá a solidão.
Mas também haverá um dia em que, em um país estrangeiro, você encontrará pessoas que falam a sua língua. E você ficará tão à vontade que poderá até se calar, pelo tempo que quiser.
Então você não precisará mais esperar a lua. Ela estará branca e alta no céu, tão logo você sair à rua.

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