domingo, 19 de abril de 2015

15 de março

Hoje o dia amanheceu mais finito do que as vinte e quatro horas habituais. É bem verdade que, quando me levantei, já haviam se passado oito. Saí para tomar café da manhã no meu cantinho. Caía uma chuva fina. Resmunguei, porque planejava caminhar pelos ghats, ao longo do rio.
- É um domingo domingueiro - lembrei dessa expressão que ele sempre usava, para se referir aos domingos preguiçosos - Deixa estar.
Quase toda minha vida eu odiei os domingos, com seu ar parado e o pagode alto dos churrascos dos vizinhos. Parecia sempre dos outros. Pareciam sempre alheios, os domingos. Mas aqui falar em dias da semana quase não faz sentido, a não ser hoje.
Porque chove, é domingo.
E domingo é tempo a cair, como chuva. É como sair um pouquinho da vida, pra ver a vida passar. É bonito, mas dá um nó no peito que a gente não sabe como desatar. E depois não se respira. "Os domingos são o Chaplin da semana" - dissera Liniers em um desenho genial, que explica a sensação meio feliz e meio triste que esse dia nos dá.
Ou talvez tudo isso seja porque me dei conta: já é dia quinze de março. Metade do mês. Finito, também, como o dia de hoje. Finito como a vida e, principalmente, como a vida de hoje. Mas é que tem algo da vida de hoje que quero enrolar, como enrolo as roupas na mala, em um bolinho compacto, e levar comigo.
O apego. Estou perdoada, porque sou taurina, mesmo que me digam que não use meu horóscopo para justificar meus defeitos. Mas, sabe, todo mundo vem à India para aprender o desapego. Eu não. Eu venho pelo mundano e por tudo que a matéria tem de sagrado. E venho logo à cidade eterna, essa que se mantém viva desde milênios. A eternidade, dentro do mundo finito.
Então, porque é domingo e porque é quinze de março e porque tudo acaba, eu choro ao voltar para casa. E é como quando eu era criança e meu pai me mandava parar de chorar e eu tentava, juro que tentava, mas me sufocava em soluços. Eu choro pela finitude das coisas. Depois me levanto, tomo uma ducha e saio para almoçar com a cara mais lavada do mundo.
Como se eu não tivesse acabado de morrer.

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