domingo, 19 de abril de 2015

27 de fevereiro

Há um dia em que nada acontece. Absolutamente nada. Nenhuma troca de palavras, nenhuma questão, nenhum fato. Mas no meio desse nada a sua escuridão encontra a escuridão de outra pessoa. Você quer não ver. Mas você vê aquele fundo que, de tão fundo, chega a ser sangrento. O outro: seu espelho. E você descobre serem suas as entranhas à mostra. Queimam como carne viva. Você só quer sair correndo, sem olhar para trás, e nunca mais lembrar o que viu. Mas é que, quando se vê, já é tarde demais: de repente você conhece a matéria escura da vida. E como se comportar diante de? O quê. Mal sabemos. A gente não nomeia o mistério. É que um dia você vê alguém te vendo. Como se chama aquele reflexo infinito de quando se colocam dois espelhos frente a frente? Isso. O reflexo do reflexo do reflexo. Subitamente tem-se acesso a essa porta muito pequenina. Mas é que nos mentiram, sabe? Não há luz atrás da porta. A luz é o caminho todo que nos trouxe até aqui. Depois da porta tem abismo. É escuro, ele. Por isso a gente não sabe o tamanho da queda. E pensa que vai morrer do coração mesmo, ou que vai enlouquecer enquanto. Alguma forma de enlouquecimento é. Mas se você cai e cai e cai você descobre que. Pode ser uma liberdade. Um vôo. Deixar alguém te olhar fundo assim, que maluquice. É alguma coisa que acontece nesse lugar. E tem essa música, essa maldita música, tocada pelo seu guru de meditação, que na verdade é um sitarista. Você não quer deixar que um nada, um não-acontecimento, entre tão fundo. Por que nos refletimos todos, as pessoas? Por que dói?
- O que você conclui disso? - me perguntaria um alguém que não soubesse que eu sou péssima para títulos e para conclusões.
E, como me perguntassem, talvez só por obediência eu compreendesse.
É que matéria escura é, em estado insuportavelmente bruto, a própria substância do amor.
Em seu avesso e verdade.

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