domingo, 19 de abril de 2015

Finalmente estou em Kathmandu.
O trajeto foi longo e consistiu basicamente em tentar dormir e acordar em lugares diferentes. Um trem noturno. Três horas de ônibus até a fronteira, já tarde pela manhã. E depois outro ônibus de tarde e noite inteiras.
O trem atrasa uma hora, chega depois de meia noite. São três camas pequeninas empilhadas, uma sobre a outra. Não há espaço nem para sentar, mas viajar na horizontal já é um conforto. Eu durmo preocupada com o horário de chegada e sonho com as estações. A minha cama é a do topo. Abaixo de mim, dois indianos que mal vejo. Do outro lado, uma mulher com criança. Esta grita. Eu, que adoro crianças, penso peloamordedeus que ela se cale. Mas posso esticar as pernas e, mesmo com sonho agitado, durmo.
Já são quase dez horas da manhã, quando o trem chega em Gorakhpur. Eu quero me sentar e comer, mas tem toda a correria para pegar o próximo transporte. Um táxi dividido entre várias pessoas, que não sai nunca. Impaciento-me, pego as malas e saio andando. Prefiro esperar consciente do tempo de espera, pois aí pelo menos consigo comer. Mas não consigo. Oferecem-me vaga em um ônibus que já vai sair. Sento-me no fundão, onde balança. Somos cinco apertados no mesmo assento. Preciso fazer xixi e comer. Desesperadamente. A turma do fundão canta raps indianos. Acho tão simpático, mas não tenho força para curtir.
Durmo daquele adormecimento que é uma maneira de tentar esquecer o desconforto. Sou especialista em dormir sem dormir. Lembro de um companheiro que se espantava com minha capacidade de adormecer em viagens. É verdade. Meios de transporte me deixam imediatamente sonolenta. Mas também tem uma maneira de saber abandonar o corpo. Eu explicava: nem sempre estava adormecida. Às vezes apenas deixava-me esquecida, em algum estado outro de adormecimento.
Chego à fronteira. Chove. Há muita lama no chão. Encontro um restaurante pequenino e, depois dele, já sou uma pessoa mais feliz. Gosto disso: atravessar fronteiras a pé. Gostarei mais quando elas não existirem, penso.
Mal tiro meu visto nepalense, entro no próximo ônibus. Ele sai no meio da tarde e só chegará a Kathmandu na manhã seguinte.
- Por que tanto tempo?
- É que não tem por que chegar no meio da madrugada. O que você vai fazer lá às duas da manhã? Por isso o ônibus vai devagarzinho.
Faz algum sentido. Eu durmo, acordo, mudo de posição, escuto gravações de indianos me ensinando híndi, volto a dormir. Tenho a sorte de ser pequena e caber em qualquer poltrona.
Então chego. Ainda é escuro e chuvoso, então não consigo ver muito. Mas o que disseram é verdade: os nepalenses são amigáveis de uma maneira suave. Os indianos, de forma geral, têm um olhar mais agressivo.
Lembro do que um belga gigante me dissera em um dos meus primeiros dias na Índia, quando eu me assustava por ser mulher:
- Você parece nepalesa. Aqui, muitas nepalesas são prostitutas, então é possível que te provoquem ainda mais.
Naquela época desejei que não. Mas agora, vendo-os tão bonitos, pergunto-me: "Pareço com eles?" E quero que sim.
Acho que toda gente humana parece gente humana mesmo.
- Você provoca confusão nas pessoas. Elas te olham e não sabem te classificar. - um amigo costumava me dizer.
Confesso que gosto da confusão. Ela nos acorda para a fragilidade da fronteira. É como abrir os olhos e ver.
Às vezes acho que é disso que se trata a viagem: esse processo contínuo entre adormecer e despertar.

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